Vísceras da palavra
Ana Alice C. Soares
Ana Alice C. Soares
Seria mais seguro transcrever
os grifos da imposição,
mas são quase sempre
em tons tão rígidos
que dilaceram
a possibilidade das paletas,
palavras, rabiscos.
É preciso
desvelar
quantos tons tem o azul
Escrever sobre o ato da escrita. Tentar tocar o impossível. Rasgar as palavras como se fosse um tecido com um pequeno furo, puxar, cutucar, abrir a pequena fresta para um amontoado de outras tantas palavras. Fazer poesia da palavra forame, encontrada como sinônimo de "abertura" e, no texto, atua de anatômico para a passagem de sons, ecos, memórias. Experimentar o gosto das palavras. Ler o texto em voz alta, ouvir como soa na sala, quarto, cozinha. Rabiscar, quando o som sai descompassado do que se quer expressar. Reescrever novas imagens. Criar palavras. Colocar ponto no lugar de vírgula ou inventar uma vírgula. Degustar como a palavra “desoxirribonucleico” é expelida em sua pronúncia. Expelida, às vezes, vomitada. Ir do rústico ao delicado, do que pede as situações, a vida. E mesmo assim, não alcançar o ato da escrita.